História do Circolo Trentino di Rio dos Cedros
Escrito por: Andrey José Taffner Fraga
Fotos do arquivo do Circolo Trentino di Rio dos Cedros e da Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de Rio dos Cedros
Surgimento da Associazione Trentini nel Mondo
Para falar em surgimento dos Círculos Trentinos no Brasil e no mundo, é necessário, primeiramente, retratar o surgimento da “associação mãe” de todos esses Círculos, a Associazione Trentini nel Mondo, que há mais de 50 anos vem impulsionando o resgate e a preservação das comunidades trentinas existentes no mundo.
Tudo iniciou em 1957, na cidade de Trento. A incipiente Associação tinha o objetivo prestar auxílio aos imigrantes trentinos, principalmente no que se referia ao fluxo migratório então existente para países vizinhos, como a Suíça.
Com o passar dos anos, a associação passou a desempenhar um papel mais preponderante nas comunidades de descendentes trentinos existentes no exterior, sendo que o fomento aos Círculos Trentinos passou a ser uma das grandes preocupações da associação, pois tais entidades aglomeravam os descendentes de imigrantes, e também através de tais entidades é que seria possível criar o vínculo entre eles e a terra de origem.
Centenário da Imigração Trentina no Brasil
No ano de 1975 foi comemorado, em diversas cidades do Brasil, o centenário da imigração trentina, ou italiana. Essas celebrações representaram um grande marco para todas essas comunidades, pois até então estavam extintos praticamente todos os laços com Trento.
A realização das festividades, em todos os municípios envolvidos, contou com grande participação popular e de entidades. Além disso, a Província de Trento, principalmente através da já mencionada Associazione Trentini nel Mondo, deu grande apoio e incentivo às celebrações.
Nesse contexto, três cidades visivelmente se destacaram pela forte presença dos costumes e tradições trentinas ainda preservadas pela população, através do dialeto, da música, da culinária, e foram elas: Nova Trento, Rodeio e Rio dos Cedros.
As celebrações iniciaram em Nova Trento, no mês de julho de 1975. Uma comitiva vinda de Trento, contando com políticos, religiosos e membros da Associazione Trentini nel Mondo, desembarcou em Florianópolis e rumou para Nova Trento, sendo recebida com grande euforia pela população local. Após dias repletos de manifestações culturais, palestras, seminários, etc., a comitiva retornou para Trento, sendo que em novembro e dezembro do mesmo ano retornaram para o Brasil, dessa vez, para as comemorações ocorridas nas cidades de Rodeio e Rio dos Cedros.
As comemorações em Rio dos Cedros
As festividades em Rio dos Cedros, ocorridas principalmente no mês de dezembro de 1975, encerraram o calendário de eventos que marcou o centenário da imigração trentina em todo o Brasil. É interessante notar que, em todas as cidades, tais celebrações se estendiam por dias e semanas, com uma programação altamente variada de eventos, proporcionando à população um resgate e um contato com a cultura trentina de forma até então jamais feita.
Também não se pode deixar de mencionar que, por conta da repressão do Estado Novo, ocorrida na década de 40, as comunidades formadas por descendentes de imigrantes europeus foram impedidas de se expressarem em seus dialetos de origem. Qualquer manifestação que não tivesse cunho patriótico brasileiro era vista com maus olhos, de sorte que, em pouco tempo, a fala dialetal, as expressões culturais como a música, dentre tantas outras, passaram a ter um tratamento secundário pela população, sendo vista, muitas vezes, de forma pejorativa, o que desencorajava o seu uso.
Mesmo com o fim do Estado repressor, o dialeto e o modo de vida colonial trentino permaneceram esquecidos, pois o que se passou a valorizar era o correto uso do português, o bom entrosamento na nova sociedade, sendo qualquer marca do passado esquecida, tido como algo ultrapassado e fora de moda.
Um dos grandes marcos do Centenário da Imigração Trentina foi quebrar esse tabu. De repente, tudo aquilo que há muito tempo estava esquecido, guardado apenas na memória dos mais velhos foi relembrado, foi resgatado, e foi colocado em evidência, para que todos os moradores da cidade e visitantes pudessem ver e se orgulhar das raízes do povo colonizador.
Como dito acima, as comemorações em Rio dos Cedros encerraram o grande ciclo de eventos realizados no Brasil inteiro. No final do mês de novembro iniciaram os festejos com missa solene em italiano (Te Deum). Seguiu-se com discursos, a inauguração de um acervo de museu, o lançamento do livro do Pe. Victor Vicenzi, denominado “História de Rio dos Cedros”, cujo conteúdo até hoje é a base para qualquer pesquisa sobre a história da cidade. Também foi apresentado um repertório de canções típicas trentinas.
Prosseguindo com os festejos, a cidade recepcionou, no dia 30 de novembro de 1975, o então governador estadual Antônio Carlos Konder Reis, juntamente com comitiva religiosa e militar. Nesse dia também foram recepcionados com especial alegria e emoção pelo povo de Rio dos Cedros, a comitiva oriunda de Trento. Compunham a missão o Dr. Guido Lorenzi e o Dr. Énio Tonetta, representantes do governo de Trento, bem como o Mons. Guido Bortolameotti, representante do Arcebispo de Trento.
Dentro os acontecimentos que se destacaram, ressaltasse a divulgação do trabalho do Pe. Mario Bonatti sobre o dialeto trentino falado em Rio dos Cedros, bem como do livro denominado “La storia leggendaria dei trentini in Brasile”, editado em Trento pela Associazione Trentini nel Mondo, e que foi distribuída para a população.
As comemorações todas ocorreram no centro da cidade, e contaram também com exibições de teatro, com destaque para a peça denominada “Nanetto Pipeta”, que representa com alegria e descontração o espírito do imigrante italiano. Também foi realizado um grande desfile, que procurou retratar todas as formas de expressão cultural da cidade. Desse desfile participaram praticamente todas as comunidades de Rio dos Cedros. Essa idéia pioneira seria, posteriormente, retomada nas edições da Festa Trentina. Conforme exposto, foi o primeiro evento desse gênero realizado em Rio dos Cedros, e serviu como precursor para todas as demais iniciativas de preservação cultural.
Por fim, importante destacar que, em 1978, uma comitiva de autoridades brasileiras provenientes das cidades que comemoraram o Centenário da Imigração Italiana, visitou a Província de Trento, sendo recepcionada pelas autoridades trentinas. Representando Rio dos Cedros foram os Srs. Alfredo Berri (prefeito no ano em que foram realizadas as comemorações do centenário) e Helmuth Jansen (então prefeito de Rio dos Cedros).
Surgimento do Circolo Trentino di Rio dos Cedros
Todo esse relato serve para demonstrar o contexto no qual surgiu o Circolo Trentino di Rio dos Cedros. Até o momento das celebrações do centenário não existia, por parte da população, qualquer iniciativa, ou mesmo vontade, de resgatar e preservar a história e cultura dos colonizadores trentinos. Todavia, após o Centenário da Imigração, com todos os acontecimentos, lançamentos, visita da comitiva trentina, foi despertada na população a vontade de manter, de maneira efetiva e permanente, os laços com a Província de Trento, terra de origem dos fundadores de Rio dos Cedros. No dia 20 de dezembro de 1975, ainda em meio às celebrações, foi assinada a ata para constituição da diretoria do Circolo Trentino di Rio dos Cedros. Assinaram a ata, sendo, portanto, os fundadores do Circolo Trentino di Rio dos Cedros:
Fiorelo Floriani – presidente provisório
Olivio Taffner – secretário
Mario Dalmonico, Maurício Pedrelli e Fiorelo Floriani – tesoureiros
Pe. Victor Vicenzi, Walmor Busarello, Antonio Mattedi, Osmari Volani e Tarcísio José Moser – assessores.
Além da diretoria recém formada, outros sócios fundadores também assinaram a ata.
Dessa forma, estava lançada a semente, que resultaria em uma grande história de lutas e conquistas, em prol da preservação histórica e cultural, do grande legado dos colonizadores de Rio dos Cedros. Além de Rio dos Cedros, também nas cidades de Rodeio e Nova Trento foram criados os Círculos Trentinos, no mesmo contexto e com as mesmas finalidades.
Galeria dos presidentes:
1975 – Fiorelo Floriani (provisório)
1989 – 1991 – Tibério Constantino Longo
1992 – 2002 – Osvaldo Osti
2003 – 2006 – Doralice Panini
2007 – 2008 – Erci Menestrina
2009 – atual – Doralice Panini
Ao longo dos anos, sempre em meio a comunidades riocedrense
Logo após a sua fundação, o Circolo passou por um período de certo ostracismo, sendo que suas atividades foram retomadas de forma efetiva, e a partir de então permanente, no final da década de 80. Naquele momento, surgiu também a proposta de criação de uma festa que celebrasse as tradições e a cultura de Rio dos Cedros. Assim sendo, em 1989 foi realizada a primeira edição da Festa Trentina, que passaria a ser anual. A festa, em seus primeiros anos era realizada no pátio da Igreja Matriz de Rio dos Cedros, sendo que a partir de 1994 foi realizada em complexo próprio e adequado, localizado na entrada da cidade.
A Festa Trentina foi, desde o início, o “carro-chefe” das realizações do Circolo Trentino. Contou, em todas as edições, com grande presença de público, diversas atrações culturais, e pode, dessa forma, cumprir o seu papel principal, o de evidenciar a cultura que Rio dos Cedros representa.
Além da Festa Trentina, o Circolo Trentino se engajou em diversas outras iniciativas, sendo muitas também de cunho eminentemente assistencial e social. Outro fato de grande relevância para a história do Circolo Trentino foi a integração com grupo “Santa Notte”, que formou o coral típico Gruppo Folkloristico Compagni Trentini. Esse grupo tem longa história, fazendo parte da chamada tradição da “Santa Notte”, que era o costume de passar de casa em casa, a partir da meia noite do dia 24 de dezembro até o dia 8 de janeiro (Noite da Epifania, na tradição católica) cantando a história dos reis magos e do nascimento de Cristo. O grupo da "Santa Notte" existiu por várias décadas em Rio dos Cedros, passando a integrar o Circolo Trentino em 1989, tendo também trocado seu nome para o atual Gruppo Folkloristico Compagni Trentini, em 1994, passando a ser, efetivamente, o coral típico do Circolo Trentino. Esse coral, além de sua ilustre história, realizou também apresentações no exterior, gravou um CD, e realiza, até os dias de hoje, diversas apresentações regionais e em outros Estados. O primeiro maestro do grupo foi Luiz Giovanella Neto, sendo que, a partir de 2009, o grupo passou è regência do maestro Lino Ossemer.
O Circolo Trentino sempre procurou realizar a integração da comunidade com a Província de Trento, e por conta disso, diversas iniciativas surgiram. A mais evidente delas, é o apoio e o incentivo para o intercambio entre alunos riocedrenses e trentinos, através da Escola Prof. Giovani Trentini, e o Istituto Santa Croce, de Trento – Itália. Através desse projeto, diversas crianças e adolescentes riocedrenses conhecem alunos trentinos, formam vínculos de amizade e de mútuo conhecimento cultural, despertando, desde cedo, a vontade de manter contato com a terra de origem. Outras atividades recentes, como a criação do grupo de jovens – Gruppo Giovane Tosarami – também demonstram a vontade do Circolo Trentino em despertar, nos mais jovens, o amor pelas tradições. Além de atividades próprias, o Circolo Trentino sempre procurou auxiliar, de diversas formas, outros grupos bem como outras iniciativas de cunho cultural na cidade. Foi através do Circolo Trentino que diversos eventos culturais se realizaram na cidade, bem como foi a entidade que intermediou a vinda de grupos e corais, inclusive de Trento, para se apresentarem na cidade.
Foi também o Circolo Trentino que auxiliou os descendentes de imigrantes trentinos, de Rio dos Cedros e cidades vizinhas, nos procedimentos para reconhecimento da nacionalidade italiana. Outra relevante contribuição cultural para a cidade foi a iniciativa de construir, na entrada da cidade, a chamada “La Baita”, a casa típica que atualmente serve de sede para o Circolo Trentino, bem como para jantares e reuniões. Essa casa é, na realidade, a reconstrução de outra existente na cidade há mais de 100 anos, que foi desmanchada, reestruturada e reconstruída, formando, com outros dois edifícios, o complexo "Villa Nostra", que representa a arquitetura típica de Rio dos Cedros. A inauguração da casa típica foi no ano de 2005, sendo que, posteriormente, no ano de 2008, sofreu uma série de reformas e ampliações, para melhor acomodar os eventos que nela se realizam.
As atividades e a atuação do Circolo Trentino foram ampliadas e evoluíram com o passar do tempo, mas o seu ideal permanece o mesmo de 1975, ano de sua fundação, ou seja, o de não deixar cair no esquecimento o grande legado cultural dos imigrantes que fundaram Rio dos Cedros.