Síntese histórica do desenvolvimento do
sistema cooperativista em Rio dos Cedros
Por Andrey José Taffner Fraga
O sistema cooperativo de trabalho faz parte da estrutura econômica em Trento, de onde vieram os imigrantes que colonizaram Rio dos Cedros. Sem qualquer dúvida, um dos grandes fatores, se não o principal, que fizeram o trentino superar a grande crise que causou a emigração em massa de sua população no século XIX, foi a adoção do sistema cooperativista de trabalho.
Nas colônias trentinas e italianas, mais especificamente no caso de Rio dos Cedros, superadas as dificuldades básicas iniciais, relativas a vias de acesso e terrenos preparados para o plantio, começaram a surgir as primeiras sementes do cooperativismo.
Rio dos Cedros foi pioneiro na implantação de cooperativas. Os motivos eram de cunho econômico: o comércio de Blumenau (Rio dos Cedros ainda era parte do vasto território de Blumenau) estava nas mãos dos colonizadores alemães, que através de suas firmas de comércio altamente organizadas, centralizavam toda a exportação de tabaco do Vale. Rio dos Cedros tinha, naqueles anos, como principal item de produção agrícola o tabaco, mas, apesar disso, quem mais obtinha lucro com essas vendas eram os comerciantes alemães da sede de Blumenau. Tal situação fez com que os agricultores se unissem, de forma a garantir o retorno financeiro de seu trabalho.
Antes que vingasse a ideia do cooperativismo em Rio dos Cedros, duas tentativas frustradas ocorreram. A primeira, fundada em 1893, denominada simplesmente de "Società del Tabaco", realizou uma operação de exportação com resultados muito abaixo do esperado, o que desestimulou os colonos integrantes (cerca de 80). A segunda cooperativa, denominada "Società di Mutuo Socorso", de 1897, surgiu de forma mais organizada, com quadro de integrantes e estatutos, todavia, mais uma vez, a demora na obtenção de lucros, e os resultados abaixo do esperado fizeram com que os integrantes se dispersassem.
A terceira tentativa de fundação de uma cooperativa em Rio dos Cedros, em 25 de janeiro de 1899, teve a liderança de Andrea Largura, bem como o auxílio do Dr. Giovanni Rossi, famoso socialista que teve passagem pelas colônias italianas no vale do Itajaí, auxiliando os colonos com novas técnicas de plantação e cultivo.
Essa nova cooperativa logo tentou exportar suas mercadorias, mas tinha dificuldades em encontrar alguém que fizesse as transações com os comerciantes alemães de Bremen e Hamburg, principais destinos de exportação.
Segundo narração do próprio Andrea Largura, reproduzida no livro "História de Rio dos Cedros", de 1975, do Pe. Victor Vicenzi, para garantir que não terminasse frustrada essa nova tentativa de cooperativismo, decidiu o próprio Andrea Largura, apesar de não saber falar alemão e não ter tido qualquer experiência comercial antes, viajar para a Alemanha, com o parco capital que dispunha a nova cooperativa, para efetivar a venda do tabaco.
Conforme a narrativa, Andrea embarcou em um navio no porto de Itajaí denominado Normandia, rumo às cidades de Bremen e Hamburg. Chegando à Alemanha, Andrea entrou em contato com os importadores, sem conseguir resultados efetivos. Procurou então um interprete que lhe auxiliasse na transação. Em nova audiência, expôs que o tabaco que estava oferecendo era o mesmo que as empresas blumenauenses em poder dos alemães lhe enviavam, só que por preço melhor, sem intermediários na venda.
Após 18 dias na Alemanha Andrea resolveu retornar, tendo conseguido apenas deixar fardos do tabaco em consignação para venda. Retornando para o Brasil, ainda em Florianópolis, entrou em contato com o então Cônsul Italiano, Gherardo Pio di Savoia, o qual se comprometeu em auxiliar nas tratativas com os importadores alemães.
Chegando a Rio dos Cedros, Andrea teve a grata surpresa de encontrar uma carta da Alemanha, informando que o tabaco deixado em consignação fora vendido, bem como entregando uma ordem de pagamento para a cooperativa a ser paga no Banco de Blumenau. Com tal montante, foi possível pagar todas as despesas da viagem, bem como repartir as sobras com os cooperados.
Tal narrativa é um demonstrativo da coragem e do valor desses trabalhadores, que apesar de humildes, conseguiam vencer as adversidades e possibilitar o progresso.
A partir dessa empreitada, a cooperativa de Rio dos Cedros inspirou confiança em todos, e revestida de novo ânimo, tomou o impulso definitivo para seu sucesso econômico. A sociedade, denominada "Società del Cedro", passou a negociar frequentemente com a Alemanha, Itália e importantes cidades do Brasil como Rio de Janeiro e Santos. Os pedidos aumentavam gradativamente, bem como o número de cooperados. A sociedade, além de ver aumentar seu desempenho econômico, também passa a ser um ponto de encontro social, com cancha de "boccia", entre outros atrativos para a sociedade.
Em 1910, atendendo novas exigências da legislação brasileira, a cooperativa se reestruturou, e passou a denominar-se "Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada de Rio dos Cedros".
A cooperativa operava em prédio próprio (até hoje existente no centro de Rio dos Cedros), tinha contabilidade e atas registradas em livros. Diversos jornais da época se reportavam ao sucesso da cooperativa, e dos benefícios que trazia aos agricultores.
Nesse ritmo, a cooperativa seguiu operante por vários anos. Com a tragédia da 1ª Guerra Mundial (1914 - 1918), as vendas para os países europeus ficaram seriamente comprometidas, de sorte que se aumentou a venda para os mercados internos, principalmente Rio de Janeiro e Santos. Instalou-se também uma filial da cooperativa em Indaial, o que possibilitou a expansão das atividades tendo em vista a melhor localização e facilidade de transporte.
A partir da década de 20 ocorreu uma significativa mudança na economia rural das colônias italianas, com a intensificação da plantação de arroz que, pouco a pouco, tomou definitivamente o lugar do tabaco como principal produto de mercado. Tendo em vista esses novos rumos, os cooperados deliberaram e aprovaram a compra de um moderno engenho de arroz, que foi instalado na filial da cooperativa, em Indaial.
Todavia, esses novos empreendimentos coincidiam com o declínio financeiro da instituição. A cooperativa passou e ter grandes dívidas, sem perceber a completa dilapidação de seu capital. Outras ocorrências, como desentendimentos internos, o fato de que muitos cooperados deixavam em segundo plano suas obrigações com a cooperativa e negociavam seus produtos com outros comerciantes, fizeram, aos poucos, com que a cooperativa fosse perdendo forças e tendo seus quadros esvaziados.
A cooperativa passou a implantar diversas medidas, como o pedido de empréstimo aos cooperados e a exclusão dos que não cumprissem rigorosamente as normas estatutárias. Na década de 40 a cooperativa tomou algumas medidas mais drásticas, como venda de parte do maquinário, a baixa definitiva da filial em Indaial, bem como a cobrança de dívidas há muito tempo esquecidas. Essas atitudes, acompanhadas de um rigoroso controle de despesas e balanço fiscal permitiram que a sociedade voltasse a aumentar seu estoque e operar com lucro.
Mas, apesar da regularização das finanças, não foi possível revitalizar o ânimo e a vontade dos agricultores em continuarem com o sistema cooperativo. Poucas pessoas permaneciam nos quadros e, pouco a pouco, a cooperativa viu suas atividades esmorecerem definitivamente. Em 1950 foi realizada uma assembleia geral com todos os sócios remanescentes, sendo acordado o encerramento da cooperativa. No ano seguinte, precisamente em 18 de junho de 1951, foi realizada a última assembleia geral, onde foram expostos todos os resultados da operação de encerramento e baixada definitivamente a cooperativa, após mais de 50 anos de existência.
A cooperativa de Rio dos Cedros marcou época para toda uma geração e serviu de prova da indiscutível capacidade dos imigrantes e seus descendentes, que apesar de estarem distantes dos grandes centros e não possuírem conhecimentos técnicos e administrativos necessários, conseguiram fazer prosperar um sistema cooperativista forte, que por muitos anos trouxe lucros e benesses, aumentando a qualidade de vida da população riocedrense.
Antes de encerrar, é importante destacar que, além dessa cooperativa, que se localizava na sede da colônia de Rio dos Cedros, outra importante empreitada cooperativista foi levada a cabo no bairro de Santo Antônio (Matarel). Lá os colonos igualmente se uniram e conseguiram, por vários anos, vender seus produtos por meio da cooperativa, escapando, assim, dos comerciantes intermediários.
Acesse o primeiro livro de atas da cooperativa riocedrense:
Esse documento histórico foi encontrado na demolição de um antigo casarão, no bairro Barra Sul, da cidade de Balneário Camboriú. O empresário Antonio Ailton Martins encontrou o material abandonado após a demolição da casa. Teve o cuidado de guardá-lo bem por vários anos. Após identificar a cidade de origem do documento, resolveu entrar em contato com a entidade cultural que a representa, no caso, o Circolo Trentino, para doar o documento.
Tratam-se das primeiras atas da antiga cooperativa de Rio dos Cedros - Verbale del consiglio di amministrazione della società cooperativa Rio Cedro. Todos os registros foram feitos em italiano gramatical. Além das atas, ao final, constam pequenas biografias de riocedrenses.
Para visualizar e fazer o download desse documento histórico, basta acessar o seguinte link:
http://www.mediafire.com/view/81w1cybzvnz29fu/verbale.pdf
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Referências:
BERRI, Aléssio. Imigrantes Italianos, Criadores de Riquezas. Blumenau: Fundação “Casa Dr. Blumenau”, 1993.
BONATTI, Pe. Mário; LENZI, Mauro. As Primeiras Famílias Trentinas de Rio dos Cedros. Indaial: Ed Asselvi, 2006.