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Os imigrantes trentinos, como os alemães e poloneses de Rio dos Cedros, importaram um imenso acervo de folclore de seus países de origem, conservando-o vivo até hoje, através de seus filhos e netos, é um verdadeiro patrimônio de inestimável valor, que ameaça desaparecer se não houver alguém que o mantenha vivo e em funcionamento. Diz-se que certas tradições de nosso meio ambiente são mais autênticas, que nos mesmos centros europeus de onde vieram. Isso talvez possa explicar pelo fato de os imigrantes viverem em geral afastados dos centros populacionais sem a influência urbana, vivendo tranquilamente em suas colônias de trabalho. |
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Rio dos Cedros é um desses fenômenos. Desde o longínquo ano de 1875 até hoje, o folclore, os costumes e as festas populares mantiveram-se sempre vivas no meio do povo, embora persista o perigo do desaparecimento no futuro. O dialeto vêneto, com pequenas variantes entre as diversas comunidades, de acordo com sua origem italiano dos paeselli, é falado com ênfase em casa, nas ruas, nos bares e até no comércio. Muita gente ainda reza em italiano. Freqüenta com fé a missa dominical, as festas religiosas e as promoções da comunidade. Antigamente no dia da festa do padroeiro de cada igreja fazia-se La Sagra. Para isso convidavam-se os parentes de outros lugares para virem almoçar em casa depois de assistir a missa cantada. No início não havia luxo nem roupa especial. Tudo era muito simples. O dever acima de tudo, era tarefa mais importante daqueles tempos. As mulheres e as moças trajavam um vestido comprido que caía até os tornozelos. Cobriam-se com um lenço amarrado na cabeça pelas duas pontas atrás da mesma. Em geral andavam descalços e muitas vezes carregavam o calçado para colocá-lo na hora propícia. Os homens usavam bigodes compridos, barba caprichada, chapéu e colete (el gilé). Fumavam o cachimbo, em geral feito da casca de uma amêndoa que dava no mato, com uma piteira de bambu. Chamavam esse tipo de cachimbo de la bosca e era apreciado por todos os fumantes... Alguns imigrantes trouxeram ou adquiriram cachimbos especiais de 40 ou até 50 cm de comprimento em forma de saxofone. Finalmente não podia faltar a caixinha de rapé para fungar alguma pitada de vez em quando, que passava de mão em mão no meio do grupo. |
Como no começo não havia bares, não havia também bebidas. Por isso aos domingos, os homens passavam o dia na casa dos amigos, jogando cartas, boccie, cantando e tomando pinga, única bebida fácil de adquirir e em parte produzida pelos primeiros alambiques de Rio dos Cedros. À noitinha, voltavam para casa, alegres, para na segunda-feira, retomarem bem cedo, o caminho da roça. |
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O namoro (el filó), só podia existir na presença dos pais e o casamento com a devida licença dos mesmos. A cerimônia do casamento era feita na igreja de manhã cedo às 6 hs. O vestido na noiva era preto, comprido e enfeitado. Tinha que cingar-se com um avental simbólico do trabalho, xale preto e sem véu na cabeça. As noivas alemãs se distinguiam das italianas por trazerem na cabeça um gorro verde enfeitado de rosas. |
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No início da imigração, como não havia foguetes, usava-se as espingardas que recebiam da Administração da Colônia. Então os tiros (le sciopetade) reboavam pela mata virgem. Os viúvos casavam-se na quita-feira sem aparato. Os vizinhos, porém, conhecedores do evento, se reuniam à frente da casa dos recém-casados, noite adentro, batendo latas e caixas improvisadas, até que lhes fosse aberta a porta e oferecida alguma bebida. O folclore da debulha do milho é outra nota importante daquela gente dos tempos áureos da história da imigração. Para isso convidavam-se os vizinhos, que vinham ajudar a debulhar sacos e sacos de milho, passando algumas horas à noite trabalhando e cantando durante o serviço. Muitas vezes as mulheres se reuniam na cozinha à noite, na casa de alguma amiga para fiar e contar estórias, enquanto os maridos esperavam na sala jogando ao tre sete ou alla mora, com um garrafãozinho no centro da mesa, que aos poucos se ia esvaziando... Característico ainda era o fogão dos primeiros imigrantes. Consistia numa espécie de mesa rústica feita de madeira sobre a qual se colocava barro amassado. Aí se acendia o fogo para cozinhar. O tacho para fazer a polenta era pendurado no gancho de uma corrente presa no forro enfumaçado, chamada segosta e as demais panelas ficavam em cima de tripés. Sentada ao redor do fogão, especialmente no inverno, a família fazia sua refeição de polenta, mosa ou prot. Aí também eram assadas as batatas doces e passavam algum tempo no bate-papo familiar ou acompanhada de visitas. Era o divertimento e o seu passatempo daqueles primeiros habitantes de Rio dos Cedros. Turmas de homens muitas vezes socorriam as lavouras dos que ficavam doentes, fazendo para eles as colheitas ou limpando a plantação. O mesmo acontecia com as igrejas e escolas. Era a comunidade que assumia os problemas auxiliando-se mutuamente.
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O ponto alto, porém, do folclore riocedrense, era e é ainda, sem dúvida alguma, a canção italiana. O repertório praticamente não tinha limites. Cantava-se horas e horas a squarcia gola a todo peito em toda parte. Cantava-se à noite sentados a lareira, nos casamentos e nos bares bétole. Cantava-se nas festas populares da igreja, no caminho para a roça, nas profundezas do mato, na lavoura e à noitinha à volta para casa. |
Cantava-se especialmente depois de esvaziarem i garafonati do bom vinho produzido com técnicas dos primeiros vinicultores. Hoje ainda se canta... O folclore da canção italiana não morreu. Sobrevive nos seus descendentes. O costume de cantar em Rio dos Cedros é notório. Cantam os velhos, cantam as crianças, e canta a juventude. O folclore das velhas canções trentinas não morreu. |
* Foto retirada do livro BUZZI, Amauri Alberto e FINARDI, José E.. A Colonização Italiana de Ascurra. Blumenau. Editora Letra Viva, 1995, pg. 124. |