Il Nostro Dialetto

Organizado por Andrey José Taffner Fraga

A imagem abaixo retrata "el Filò", momento de socialização dos habitantes dos vales trentinos. Disponível no Museu degli Usi e Costumi della Gente Trentina (San Michele all´Adige - Trento)

Histórico

O Dialeto Trentino falado em Rio dos Cedros veio junto da grande bagagem cultural trazida pelos imigrantes do final do século XX. É sem dúvidas companheiro inseparável de homens e mulheres que, naqueles longínquos anos resolveram enfrentar a grande viagem para as terras desconhecidas da América, em busca de uma vida melhor. É importante também notar que, o dialeto trentino, assim como outros dialetos italianos, não são corruptelas no idioma oficial da Itália, são de fato verdadeiras línguas com toda uma estrutura de gramatical própria.

O dialeto em Rio dos Cedros, assim como em outros lugares do Brasil povoados por Europeus, passou por diversas fases. A fase Inicial foi com a chegada dos imigrantes na Colônia Blumenau, assim, os trentinos organizaram suas comunidades nos moldes em que tinham na Europa (igreja, família, trabalho campestre), e pela situação de isolamento em que viviam nas florestas catarinenses, mantiveram por anos seu dialeto intacto, livre de influências lusófonas como ocorreu em São Paulo, exemplo, onde os imigrantes trentinos e italianos tiveram uma convivência acentuada com falantes da língua portuguesa, e em pouco tempo perderam seu modo de falar dialetal.

A segunda fase foi a da repressão ao uso de línguas estrangeiras em território nacional (motivados pela grande campanha nacionalizadora de Getúlio Vargas, na década de quarenta). Assim sendo, os falantes de italiano, alemão, polonês, etc., foram proibidos de se expressar com seus dialetos de origem, e quem infringisse essa lei era punido com severas penas (desde prisão até torturas). Passado a fase repressora e proibitiva, o uso de dialeto foi sendo marginalizado, visto como modo de falar de pessoas incultas.

Todavia, nos tempos atuais, de grande globalização e massificação cultural, as pessoas passaram a se voltar para suas raízes, e buscar em sua própria cultura e tradições um diferencial como ser humano. Nesse espectro que o dialeto passou a ser revigorado, e visto como algo simbólico e interessante. Também outros eventos, particularmente em Rio dos Cedros e outras áreas de colonização trentina, podem ser citadas como rejuvenescedoras da pratica dialetal. Em 1975 foram realizadas grandes festividades em comemoração aos 100 anos de imigração. Na ocasião diversas autoridades visitaram a cidade, o que possibilitou aos riocedrenses redescobrirem o Trentino, sua pátria de origem. Nesse mesmo ano ocorreu a fundação do Circolo Trentino, ponto de referencia no intercambio com a Provincia di Trento.

Com toda essa perspectiva, percebe-se hoje o contexto que o dialeto trentino ocupa na vida dos riocedrenses. Muitos jovens não o falam, mas o compreendem. Os mais velhos o falam e relembram com nostalgia dos tempos antigos das colônias, em que todos se conheciam e onde o dialeto era língua principal. Percebe-se até que o dialeto serve como ponto de referencia, onde se pode ganhar a confiança de uma pessoa por se comunicar em dialeto trentino (o que remete o interlocutor a uma situação de segurança, de estar falando com alguém próximo, “um dos seus”).

Apresentamos a seguir uma breve explanação a respeito da estrutura dialetal trentina de Rio dos Cedros, sendo que também disponibilizamos, ao final, texto de amostra sobre como é essa linguagem tão particular de Rio dos Cedros.

Gramática

Texto traduzido do original italiano pelo prof. Olívio Taffner.
Retirado do livro: Raconti de Rio Cedro, do Prof. Dr. José Curi (pgs. 9-11) Florianópolis: Editora da UFSC (1984)


Seguem algumas observações fonéticas, morfológicas e léxicas sobre o belo dialeto de Rio dos Cedros, talvez o mais doce dialeto italiano transplantado para terras brasileiras.

1 – Fonética:

1º O dialeto de Rio dos Cedros é uma língua do SCI (chi) e do ZI (ji - je do francês).
2º O dialeto de Rio dos Cedros ignora completamente o som palatal dito “l” fraco, escrito GLI, como: figlio, famíglia, giglio etc. E por isso essas palavras se pronunciam: filio, família, gilio etc.
3º Esse dialeto não pronuncia a consoante duplicada: ll, dd, mm, nn, pp, etc.
4º “O” é pronunciado sempre fechado, menos quando se encontra diante de um grupo consonantal formado de “gn”, “rs”, “rt”, como vergogna, forsi, nostri, etc.
5º CE e CI não têm a pronuncia italiana, mas são pronunciados como em português: citá (pr. çita ou ssita) N.B. Essa forte similaridade das palatais diante do “E” e do “I” não existe, porém no italiano clássico que é um som como K (CH): oci (pr. occhio = okio, onde, otchi, oci), ciamar (da chiamare=kiamare, onde tchiamar, camar), vece (da vechie = vekye, onde, vetche, vece). O “C” neste caso tem o valor de TCH, o qual, “C”, como em italiano ciao.
6º O “G” antes de “E” e de “I” soa como no italiano, DG.
7º O grupo GN soa sempre como NH do português (gnoco, nhoco), bisogno (bisonho) ou como Ñ espanhol. Por isso é igual ao italiano clássico.
8º O “S” tem vários tratamentos:

  • No inicio há sempre um som de “sci” como no português CH ou como no francês CH (fr. chanson): si (chi), sabia (chabia), súbito (chubito), sabo (chabo) etc.
  • No meio, entre duas vogais, tem o mesmo som do “J” português, ou “J” em francês (fr. Jardin): rosa (roja), rose (roje), muso (mujo), musi (muji), brasiliani (brajuliane), bisogno (bijonho), musiche (mujiche), paese (paeje) etc. Porém, se o “S” estiver no meio, com alguma consoante antes ou depois, soa “S” (sci) como no caso acima: maestra (maechtra), forsi (forchi) etc.
  • Atenção: esse mesmo “S” com o sinal sobre soa sempre SCI (CH do português), veja: cosa (cocha), masa (macha), adeso (adecho), foso (focho), sasin (sachim), binasu (binachu) etc. E por quê? Porque esse dialeto é uma língua do SCI.


2- Morfologia

1º Há sempre uma repetição do pronome pessoal de segunda pessoa do singular e terceira pessoa do singular e do plural diante do verbo na forma finita: ti te giuri, elo el giure, lori i giuri. Porém: voi giurate (sem a repetição).
2º Entre a terceira pessoa do singular e do plural do verbo na forma finita há uma semelhança: elo el fa, lori i fa.
3º Alguns verbos têm sempre uma partícula como: DO, ENTRO, FOR, SU, VIA, etc.: Vegner-do (scendere), levar-su (alzare), magnar-for ( guastare, apendere), trar-via (buttare), vegner-entro (intrare), pensar-su (rifflettere) etc. Ou ainda locuções adverbiais: far luce (brillare), farse veder (apparire) etc.
4º Os nomes próprios possuem sempre artigo: el Terci, el Rondelo, el Tibério, la Carmela, la Maria, l’Adriano etc. Os sobrenomes também: i Uberi, i Giampicolli, i Curi, i Campregheri, i Mattedi etc.

3 – Lexical

No contato com o português, com o passar dos tempos, algumas palavras portuguesas aderiram ao dialeto italiano, mas sem perder o significado, como:
Ligna (autobus)
Atrasar (arrivare in ritardo)
Rodoviaria (stazione degli autobus)
Calçada (marciapiede)
Pisama - leia-se pijáma (pigiama)
Abrasso (abraccio)
Paliero (cigaretta di paglia)
Prison (prigione)
Locura (pazzia)
Pao-e-Corda (utilizzato per la fabbricazione di tabacco)
Pedreri (muratori)
Parabens (auguri)
L’asunto (il tema)
Facon (grande coltello - coltellaccio)
Capoera (bosco, macchieto)
Zugo dela bola (calcio)
Etc.


Textos em Dialeto para Download:

El Robo dele Angurie - conto verídico e cômico, ocorrido na Colônia de Rio Cedro, escrito pelo Prof. Dr. José Curi (arquivo PDF)


Santa Messa en Trentin
- com cantos e liturgia do dia 06.09.2009 (texto em Word)


Notícia sobre o dialeto italiano/trentino - "Talian":


09/12/2014 - O "Talian" agora é patrimônio nacional


Desenvolvido por: Renan Taffner e Andrey Taffner
Agradecimentos: Marcel L. Zanluca